Sem dúvida alguma, podemos concordar que vivemos atualmente um grande ‘déjà vu’ e, ao mesmo tempo, um momento único na história de nossas vidas e da humanidade.
Um momento em que, meio a tantas coisas inovadoras, transformadoras e surpreendentes à nossa própria imaginação, muitos de nós ainda permanece querendo se apoderar daquilo que nos foge a compreensão para poder ter o mero direito de determinar o que é certo ou não, aceito ou não, permitido ou não. Tem sido assim ao longo da história, em diferentes campos do conhecimento: na música, na matemática, na física, na astronomia, nas artes e na filosofia, que sempre buscou abraçar diferentes saberes. Castas, organizações, grupos de estudiosos e cientistas se apoderam de uma ideia, de uma hipótese, de uma teoria ou verdade de momento, e tentam predominá-la de maneira a não deixar a nenhum outro, o direito de questioná-la. Como se isso fosse o suficiente para dar autoridade e poder a alguém ou lhes assegurar algum tipo de razão.
Isso só demonstra a infância de valores e conhecimento em que vivemos, e a dificuldade que precisamos transpor se quisermos melhorar a evolução da nossa sociedade.
Não fossem homens e mulheres movidos por grande coragem e espírito de questionamento, desbravando ao longo da história os horizontes das ideias e quebrando os elos milenares do preconceito, do interesse político e do capricho de algumas instituições, a medicina, por exemplo, não teria saído da era de Galeno, e as estrelas permaneceriam presas e suspensas em uma enorme abóboda celestial. A questão que nos chama à atenção, é por que oferecemos tanta resistência a algo novo, a algo que quebra o ‘status quo’, a nossa forma de ver e entender as ideias e as ciências da vida?
Evidentemente, sabemos a resposta à essa pergunta, mas no momento queremos chamar a atenção a outro ponto da questão. De início, precisamos concluir algo de base: No universo ‘o que é’, ‘é’ atemporalmente, e sempre será, independente das mudanças que se operem consoantes às suas leis.
A lei é de evolução constante, mas o que ela é, representa e opera, respeita uma condição de força e ‘ordem maior’ desde que o mundo existe. São as lei naturais, cósmicas; que sustentam o mundo que conhecemos – ainda muito parcialmente – e o mantém imerso e organizado; e tudo isso meio ao infinito num espaço que não para de expandir em velocidade de ‘aceleração’. Isso significa que qualquer coisa nesse universo não deixa de ser o que é, porque não concordamos, porque não queremos, porque conflita com nossos centros de interesse, ou porque só temos condições no momento de entendê-lo parcialmente.
A grande questão é que o mundo está ao nosso dispor para podermos entendê-lo desde priscas eras. Basta haver o interesse, quebrar os preconceitos culturais e ir em busca do novo, que tudo hoje é acessível. Claro que o avanço da tecnologia na instrumentalização foi e continua sendo essencial para este entendimento. Mas será que sempre a aquisição do conhecimento foi dependente da instrumentalização atual? Será que outros recursos já não foram utilizados e deixaram esse conhecimento para nós, e os deixamos para trás?
A democratização tecnológica abriu praticamente todas as portas de acesso ao conhecimento. Hoje é possível até acessar algumas das obras proibidas do Vaticano que se mantiveram distante das massas populares por milhares de anos, e acessá-las de dentro de nossas casas. É possível, por exemplo, lermos os papiros originais de Ebers ou Edwin Smith com tradução direta dos hieróglifos, que por sua vez impactaram o mundo quando descobertos em meados do séc. XIX. Retratam, respectivamente, uma descrição bastante exata da anatomia e fisiologia humana da meninge, do fígado, do baço, dos rins, do sistema circulatório, assim como oferece uma relação completa de diagnósticos, tratamentos e prognósticos de 48 casos e procedimentos neurocirúrgicos, além de impressionantes manuais para práticas cirúrgicas intracranianas por conta de aneurismas, cirurgia cardíacas, de coluna vertebral, de remoção de tumores de mama, entre outros inúmeros casos clínicos de transtornos mentais, que estão sendo estudados pelos especialistas da Academia de Medicina de Nova York, nestes documentos que datam da dinastia 16-17, ou seja, de mais de 1600 anos a.C.
Estudiosos entendem serem esses documentos cópias feitas por Imhotep de originais do reino antigo que data de mais de 3000 a.C. O que chama a atenção desses pesquisadores da Academia de Medicina, é que esses raríssimos papiros contam que à época eram utilizados alguns processos de hipnose nessas cirurgias, o que levou a comoção pública instigada pela mídia e pela descrença de alguns profissionais da área da saúde a se inclinarem em chamar de práticas de ‘magia’. Iniciativa, esta, que o corpo de cientistas americanos e internacionais que se dedicam a estudá-los se recusam a abonar pelo que continuam descobrindo destes valiosíssimos documentos.
O que chama à atenção é que, na história da humanidade, certas conquistas já foram realizadas, trazidas ao uso da sociedade e posteriormente abolidas por diferentes ‘motivos’ e ‘determinações’.
A evolução da medicina nos últimos cem anos atingiu patamares incalculáveis. Contudo, avaliando a complexidade da vida e do corpo humano, é fácil perceber que demos apenas mais alguns passos.
Não faz muito tempo, ao final do séc. XIX, o neurologista francês Jean-Martin Charcot, um dos maiores clínicos da França, responsável junto a Guillaume Duchenne pelos estudos da ‘afasia’ e da ‘descoberta’ do aneurisma cerebral e da hemorragia cerebral, assim como pelas famosas descrições sobre a esclerose, trabalhava as perturbações psíquicas com o recurso da hipnose e com a proposta grega antiga e ultrapassada de que apenas as mulheres eram histéricas porque tinham útero. Essa reuniões, que se fizeram famosas nas acomodações do famoso Hospital ‘La Salpêtrière’ de Paris, e que tiveram participantes de renome como Sigmund Freud, Alfred Binet, Pierre Janet, Albert Londe, Joseph Babinsky, entre inúmeros outros, a despeito da comoção que causavam nos presentes, traziam resultados impressionantes para a melhoria do estado de histeria, e foram determinantes e fundamentais para um novo desenvolvimento do campo de estudo dos transtornos mentais. Aliás, importa saber que o foco de estudo em questão – a histeria – era na idade medieval associada à bruxaria e levou inúmeras mulheres a serem enforcadas ou queimadas vivas na fogueira debaixo dos gritos das multidões nas praças públicas.
Com a ideia de saúde ocorre o mesmo. Atualmente as pessoas, por exemplo, entendem que estar com saúde é não se encontrar doente ou não ter nenhum distúrbio detectado.
Vivemos numa época em que se tornou comum, uma pessoa aparentemente saudável, repentinamente ter um surto e ser diagnosticado, por exemplo, com Transtorno de Ansiedade Generalizada, revelando-se completamente fragilizada e estranha a si própria, com palpitações, falta de ar, taquicardia, aumento de pressão, dores e náuseas. Alguns médicos dirão que esse distúrbio caracterizado por preocupações excessivas ou expectativas de grande apreensão, já deviam estar dando seus sinais, e que apesar de não terem sido detectados, vinham se ‘somatizando’. O tratamento, claro, ansiolíticos ou antidepressivos por meses, com tentativas terapêuticas de controle comportamental. E se perguntarmos quais as causas, a resposta contemplará de fatores genéticos a descompensações químicas cerebrais até elementos ditos ‘estressores do meio’. Mas a causa exata, se mantém desconhecida.
Ou então, você pode não se sentir bem, acusar uma constrição no peito, um enorme mal estar e procurar um especialista que depois de inúmeros exames e resultados obtidos dentro do que é considerável aceitável e normal, diagnosticar que você não tem absolutamente nada. Mesmo que continue se sentindo muito mal.
Afinal, podemos estar doentes sem aparentar estarmos doentes? Sem que a doença seja detectável? E se isso é possível, não precisamos, então, rever alguns conceitos sobre o que somos, sobre saúde, doença, sintomas, diagnósticos, tratamentos e bem estar? Afinal, somos humanos, e isso dito do ponto de vista de quem se sente, se ressente, se emociona e se preocupa, nos leva a um conceito de ser humano muito além do corpo físico. Nenhuma dúvida com relação a isso.
Muito já vem sendo feito. A World Health Organization – WHO [OMS], estabeleceu que saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença. Também passou a identificar determinadas alterações comportamentais como manifestação ocorrida no campo do ‘espírito’ com diagnóstico reconhecido e oficializado pela ciência médica através do ‘International Classification of Diseases – ICD 10’ (Código Internacional de Doenças CID-10); O World Psychiatric Association – WPA, já há alguns anos, enfatiza a necessidade de compreensão da ‘espiritualidade’ e sua relação com o diagnóstico, a etiologia e o tratamento dos transtornos psiquiátricos como componente ‘essencial’ para estudo, treinamento, pesquisas e cuidados clínicos em psiquiatria.
O fato de muitos médicos ainda resistirem a aceitar e proceder nesta direção, só aumenta o sofrimento. E o fato de muitos terapêutas aceitarem, anunciarem, prometerem, mas não saberem trabalhar devidamente o processo, soma mais frustração e descrença à dor daqueles que sofrem.
Somos humanos sem dúvida, mas antes disso precisamos nos dar conta de que somos seres psíquicos. Estamos dentro de uma roupagem biológica com prazo de validade e precisamos trabalhar um pouco mais com o que ‘sentimos’ do que apenas com o que podemos e conseguimos mensurar, detectar e provar.
Independente do que alguns resolvam proferir, definir ou determinar a nosso respeito, nosso ‘Ser’ é emocional e isso é essencial, muito importante mesmo. Se intimamente não estamos bem, toda a correlação psiquica-emocional-psicológica-cognitiva se ressente e pode, sim, somatizar na zona física a consequência de cada uma de nossas dores e sofrimentos, que nos apertam de tal forma, algumas vezes, que chega a ficar insuportável. Será que nos doparmos é o único caminho?
A concentração, a meditação e a oração movidas pela ação da vontade de nossa ‘fé’ e de nossas crenças, projetam forças no universo que operam verdadeiras transformações em nossos diferentes campos de expressão do ‘Ser’.
Se as correlações entre esses universos de expressão do ‘Ser’ não são cuidadas por nós mesmos, com uma vida saudável, equilibrada, nutrida de bons sentimentos e coerentes com a necessidade de harmonização que cada um desses universos em nós exige para se afinar com uma lei maior e universal que nos sustenta, adoecemos.
Se optamos por viver gritando, educando na base da ameaça, chantageando, enganando, corrompendo, mentindo, falseando, agredindo, se drogando, dormindo mal, compensando as próprias frustrações com busca de prazer erotizadas, sensoriais ou com estados alterados de consciência por não querermos enfrentar o que cada um precisa trabalhar em si próprio; se fugimos dos compromissos, das responsabilidades que nos competem, se olhamos pra vida e a nossa primeira preocupação é procurar saber o que posso fazer para me dar ‘bem’ mesmo que às custas de outros ou evitar trabalhar ou passar por algo que me desconforta; se optamos por continuar com nossas posturas e comportamentos orgulhosos e egoístas sugando o que podemos da vida em detrimento do que prejudicamos aos outros; se permanecemos alimentando nossas mágoas, medos, inseguranças, incertezas e quando temos que enfrentar algo buscamos fugir ou nos escorarmos sempre em alguém ao nosso lado, estamos profunda e sintomaticamente doentes. Mesmo que o corpo não demonstre. Mesmo que os exames digam o contrário.
O mesmo se dá naqueles que, desde criança, são submetidos a todo tipo de pressão e opressão física, psicológica e emocional, principalmente se provém por parte dos pais ou familiares, o que ocorre com frequência.
A julgar pela quantidade de dores e sofrimentos que podemos assistir no mundo, um verdadeiro show de horrores, em que a humanidade despreza o valor do respeito, da consideração e da vida humana, estamos doentes. Doentes moral, ética, psíquica, emocional, psicologica e fisicamente. E toda essa estrutura se encontra, de alguma forma comprometida, uma vez que são interdependentes.
Precisamos aprender a ver o conceito de saudabilidade independente estar ou não doente. Ter saúde significa viver saudavelmente uma vida que oscila entre estar bem um dia, mal outro; alegre um dia, triste outro; preocupado um dia, outro não; ansioso um dia, outro não. Estacionar permanecendo em um desses extremos é desequiíbrio. Aí sim, é não estar saudável. Existem pessoas que apesar de não terem nenhuma doença vivem de forma não saudável, se enclausurando em si mesmas, cheias de problemas. E por mais que seus exames não acusem ou indiquem nada de anormal, estão mal e sofrem profundamente.
Esse é o drama do nosso século.
Podemos dizer que não é pouca a quantidade de pessoas que se mobilizam pelo cuidado e pelo bem dos outros, principalmente se valendo da ajuda da mídia. Mas pergunta-se: essas iniciativas, apesar de verdadeiras, são ações de mobilização para impacto no mundo ou resultado de uma mudança real de sentimentos pelo interesse de atenuar a dor do outro? Tratam-se de atitudes que promovem mitigar a fome e a necessidade material do próximo ou de promover uma real mudança na sociedade que começa dentro de nós e se estende a todos pela conquista da saúde integral oferecendo oportunidades de educação que visam a libertação, a transformação e o crescimento do ser?
Só uma nova visão de educação pode mudar esse cenário. E, acreditamos, que só uma autocomunicação que leva o ser a poder se escutar, a se ver, a se analisar e a se reeducar em harmonia com a vida, pode promover a vontade de viver e de desejar encontrar o seu papel na sociedade atrvés de novos ideais.
Então, quando olharmos um jovem, um adulto ou um idoso, e um deles se aproximar para dizer que não se sente bem ou que precisa de ajuda, entenda: neste mundo em que todos somos, de alguma forma, doentes, o simples ato de se preocupar em estender a mão ao outro e procurar ajudá-lo com sinceridade, já inicia um verdadeiro processo de cura.
UNIVERSOS DO SER. Centro de Educação e Atendimento do ‘Ser’ com foco no autoconhecimento e na Saúde Integral para uma Vida Nova.